Um jogo chamado Burning Man

20/09/2015

Todo ano, cerca de 65.000 pessoas se reúnem no meio do deserto de Black Rock, em Nevada – EUA, para celebrar uma semana de comunidade, arte, música e expressão radical. Eles dizem que o Burning Man não é um festival, e sim uma comunidade experimental. Uma cidade temporária, criada propositalmente no meio de um ambiente hostil e surreal aumenta o sentimento de que você está em um universo alienígena de tudo que todos estão acostumados no dia-a-dia.

O Burning Man é movido por 10 princípios, cujos mais fiéis seguidores são os que moldam a cultura do evento, e inspiram todos que venham a participar. Criar um evento em torno de princípios é uma receita para uma comunidade que respira o espírito do evento não só durante a semana e naquele lugar, mas sim o ano todo e em qualquer lugar do mundo. Isso é um dos motivos pelo qual o Burning Man não conta com verba de marketing nem patrocínios corporativos. Tudo gira em torno da comunidade, religiosamente fiel aos princípios, que voluntariamente faz um dos eventos mais impressionantes do mundo acontecer todo ano, há quase 30 anos.

2015 foi a segunda vez que participei do Burning Man, e foi quando reparei algumas propriedades que me fizeram entender um pouco sobre porque nos viciamos em querer voltar sempre, e porque é tão atraente compreender e viver esses princípios. Basicamente é um paralelo entre a serendipidade causada pelas ações dos que abraçam os princípios e um dos nossos hábitos cognitivos mais poderosos, abusado por mecânicas de jogos: as recompensas variáveis.

O conceito não é novo – foi descrito por B.F. Skinner na década de 1950 – e certamente não é temporal. Skinner colocava ratos e pombos em uma caixa com um botão que às vezes provocava um resultado positivo – soltava comida. Acontece que nós reagimos mais ativamente a sequências inconstantes de recompensas. O dobro de dopamina é liberado se metade das nossas ações produzem recompensas de forma imprevisível. Basicamente é o que move a indústria de caça-níqueis, jogos casuais, e o que te motiva a dar scroll no seu feed do Facebook Instagram.

O Burning Man é a mesma coisa. Durante o evento, você tem a liberdade de sair para explorar um museu a céu aberto, com pessoas do mundo inteiro, como o seu próprio avatar anônimo. Você vai em busca de tesouros escondidos, pessoas que você nunca conheceria no dia-a-dia, e pequenos momentos efêmeros que só se gravarão na memória. No fim do dia, volta pro acampamento e troca as histórias da playa com seus amigos.

E o que mais será que você vai encontrar amanhã, nesse lugar mágico?

Onde será que está seu próximo novo amigo?

Que outros presentes expressionistas esse evento vai te dar?

Fomos visitar uma casa de espelho, e do nada chegou uma pessoa vestida de espelhos. Qual a chance?

Com o passar dos dias, você acaba sendo inspirado por todos os estímulos dos seus “achados”, e acaba se tornando um participante mais ativo dessa cultura radicalmente inclusiva e lúdica. Com o tempo, enxerga que os seus próprios presentes podem inspirar outras pessoas, de formas tão variadas quanto as que você vê ao seu redor. E assim funciona a fábrica viciosa de serendipidade do Burning Man. Bastam 10 princípios para gerar infinitas recompensas variáveis.

Infelizmente o Burning Man pode ser inacessível para nós brasileiros, com o dólar nas alturas, e a logística complicada de se deslocar para tão longe. Mas não custa aprender e incorporar o espírito dos princípios para induzir surpresas inesperadas no seu próprio ambiente. Que iniciativas você pode trazer para o seu mundo, para criar o vício pela serendipidade?

Experimente isso – pode ser contagiante.

Fotos: I Hate Flash, Trey Ratcliff

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