Homo evolutis

01/02/2011

No final do ano passado eu tive a enorme oportunidade de participar do primeiro programa executivo da Singularity University fora do seu campus na NASA. A Singularity é uma universidade interdisciplinar, cuja missão é educar e inspirar líderes e investidores sobre a evolução das tecnologias pra resolver os maiores desafios de hoje e de amanhã. Ela foi fundada pelo futurista/inventor Ray Kurzweil e o médico/empreendedor Peter Diamandis em 2008, com o apoio de empresas como Google, NASA e Autodesk.

O curso de graduação da Singularity acontece no campus da NASA Ames, no Vale do Silício, e dura 10 meses. Durante o período, um corpo docente formado por engenheiros, tecnólogos, futuristas, médicos e astronautas dão aulas de tecnologias exponenciais, robótica, nanotecnologia, biotecnologia, medicina, redes computacionais, e por aí vai. O programa executivo, que eles fazem fora do campus, como esse que aconteceu em São Paulo, abrange os mesmos assuntos, mas de forma mais superficial e pontual. Mas deu pra sentir um pouco do que vem por aí, e se eu for escrever um post sobre absolutamente tudo, vai ser o maior post da história da internet. Por isso sugiro que se você se interessa por tecologia e futurismo, acesse o canal do YouTube da Singularity e engula uma dose mastigada mas farta do tipo de conteúdo lecionado na universidade.

Um dos assuntos que sempre ressurgia nas palestras do programa foi o da impressão 3D. A tecnologia não é nova, sendo existente há mais de 30 anos, porém, até hoje as impressoras 3D têm sido extremamente caras pra terem qualquer impacto significativo no mercado. Mas o grande lance é que hoje estamos no “joelho” da curva de avanço exponencial das impressoras 3D, o que significa que o custo cai e o nosso alcance a essa tecnologia aumenta exponencialmente. E pode parecer mais uma tecnologia que está em ascensão, assim como a impressão xilográfica veio no início do milênio passado, mas as aplicações consequentes de mais uma dimensão na impressão são muito mais amplas…

Basicamente uma impressora 3D faz o que uma convencional faz, mas em vez de receber uma arte plana e depositar tinta em uma única superfície, ela recebe informações de um modelo 3D fatiado, e vai depositando diversos tipos de materiais em camadas, que aos poucos revelam o modelo na terceira dimensão. Esse é somente um dos vários métodos de impressão 3D.

No hall da FIAP, onde aconteceu o programa executivo, estudantes da própria faculdade havíam montado uma impressora Cupcake CNC, da Makerbot, demonstrando como funciona o seu processo:

A Cupcake é um dos diversos modelos da Makerbot. Ela imprime peças de até 10 x 10 x 13cm, e o kit completo para montar uma custa $900.

Como essa construção é feita por camadas, dependendo da precisão da impressora e do material utilizado, é possível já imprimir uma máquina com engrenagens funcionais, pronta pra entrar em ação. Daí vem um conceito interessante de que as impressoras 3D podem produzir as suas próprias peças, e portanto, se reproduzirem como seres vivos fazem. E isso não está longe do nosso alcance.

A impressora RepRap foi desenvolvida em torno dessa idéia de reprodução. Uma RepRap de hoje é capaz de imprimir cerca de 65% das peças necessárias para fabricar uma outra igual. Ao mesmo tempo, as versões seguintes da impressora são fabricadas pela anterior, imitando o fenômeno da evolução. É a biomimética ajudando a inspirar o futuro da tecnologia. O modelo Mendel é a quarta geração da RepRap, e as peças necessárias pra montá-lo estão custando por volta de $520.

O projeto começou na universidade de Bath, na Inglaterra, mas é completamente open-source, permitindo que engenheiros e designers do mundo inteiro colaborem pra criar as próximas versões da RepRap. Versões essas que vão começar a imprimir em cada vez mais materiais diferentes, levando-nos à situação de que possuir um produto significará baixar seu arquivo da internet e imprimí-o em casa, assim como já fazemos com músicas e filmes. Isso significa menos impacto gerado no transporte e armazenamento, e produtos com alto potencial de personalização. O criador Adrian Bowyer explica melhor:

Essas impressoras acessíveis aos meros mortais de hoje ainda são rudimentares quanto a precisão e variedade de materiais, mas isso tudo não está previsto pra evoluir só no futuro distante. Produção caseira é uma realidade cujas contas não deixam sobras, e só dão a entender que o seu filho vai estar imprimindo seu próprio celular em casa, com as funcionalidades que ele escolher. Um pouco como o Replicador, de Jornada nas Estrelas.

Se você não quer partir pro DIY, e montar sua própria impressora, não vai ficar de fora da onda de impressão 3D acessível. Shapeways é uma empresa que recebe o seu modelo 3D, o imprime em diversos materiais (inclusive metais e borracha), te envia pelo correio e ainda permite que você o venda em sua loja virtual de produtos impressos.

Shapeways sample pack

O designer Jeff Bare mal comprou seu iPad e já projetou um protetor de borracha, impresso no Shapeways e vendido por $30. Em poucos dias, ele fez o que sabia fazer, e foi apoderado de produzir seu projeto com precisão industrial sob um modelo de negócios mais lucrativo e que gera menos impacto.

Mas novos métodos de produzir jóias, brinquedos e acessórios pra iPad não vão mudar o mundo. E que tal imprimir uma casa ? É o que Enrico Dini, da D-Shape imagina com sua impressora gigante. Atualmente capaz de imprimir formas de cerca de 5x5x5m, a impressora da D-Shape deposita areia misturada com uma pasta que endurece a estrutura e produz construções complexas pela fração do preço e do desperdício de um método convencional.

Estrutura impressa da D-Shape

Agora imagine essa tecnologia chegando em países em desenvolvimento, ou em áreas recém-atingidas por catástrofes, que precisam de abrigos baratos, instantâneos e duradouros…
 

E as possibilidades não páram por aí. Já misturamos impressão 3D com arquitetura. Agora vamos misturar impressão 3D com biomedicina.

Começando com medicina regenerativa, hoje em dia é normal podermos pegar a cartilagem de um coração, borrifar células-tronco nele, elas auto-organizam ao redor e o coração começa a bater. Imagine poder imprimir esses tecidos sob demanda, com células reproduzidas do seu próprio corpo. É o que a Bioprinter da Organovo permite fazer. É possível alimentar a impressora com células do fígado, para serem depositadas em uma estrutura gerada no computador, e que mais tarde será um órgão completo para ser chamado nada menos de seu.

Levando mais adiante, imagine poder imprimir um DNA artificial, para criar qualquer tipo de tecido biológico. O resultado vai acabar sendo um cérebro com inteligência e memória prontas, direto do forno. Ou então, com um pouco de nanoengenharia, poderemos fabricar seres superiores … Tipo o que Hollywood já fez :

E pra onde vamos com esse papo de doido ? Não sei, mas as consequências que virão também estão nas nossas mãos.

Segundo o futurista Juan Enriquez a tecnologia que hoje parece coisa de ficção científica, vai ser normal para nossos filhos. E os filhos dos nossos filhos vão estar presenciando um reboot completo: uma nova espécie humana, que ele chama de Homo Evolutis.

O Homo Evolutis é aquele que naturalmente evoluiu para um estado que o tornou capaz de produzir as ferramentas tecnológicas que o permitem controlar a sua própria evolução, e a das criaturas ao seu redor.

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