Atingindo a velocidade do pensar

24/10/2009

Xerox Alto. Monitor retangular vertical, fazendo analogia à folha de papel que seus usuários estavam acostumados a trabalhar.

O computador foi inventado como uma ferramenta para facilitar certos trabalhos, assim como o abridor de latas e o martelo. A diferença é que, por ser uma ferramenta com base matemática e quase abstrata, ela pode assumir infinitas formas. Um computador pode ser uma simples calculadora, ou um instrumento musical. Pode ser na verdade o que quisermos, contanto que consigamos nos relacionar com sua estrutura, para dar as instruções necessárias para que a tarefa seja realizada como queremos.

Ponto de partida

No início, essa relação era bastante hermética, ocorrendo apenas com entusiastas dispostos a aprender como moldar a ferramenta às suas necessidades. Contanto que soubessem como funcionava a máquina, usuários tinham a liberdade da mente para criar o que conseguiam com a interface física que lhes era disponível. Ted Nelson critica em seu texto Libertando-se da prisão o fato de que as empresas e os indivíduos que tiveram o interesse em massificar o uso de computadores, fizeram isso de forma aprisionadora, e simplismente trocaram a liberdade de programar pela facilidade que mais pessoas teriam para usar ferramentas criadas pelos programadores.

Esse processo estabeleceu uma série de convenções que hoje ficaram invisíveis e óbvias, mas que poderiam ser diferentes, se considerarmos o potencial de funcionalidades que existe em computadores. Ele cita como exemplo a metáfora do desktop, que foi criada para facilitar o uso de computadores para funcionários da Xerox, que trabalhavam com papel o dia todo, e precisavam de uma analogia que concretizasse aquela novidade. Esse modelo, portanto não mudou quando o computador chegou às mãos dos artistas, por exemplo. O que um artista faz no seu dia-a dia que envolve área de trabalho, arquivos e pastas? Se a interface de um artista precisa ser uma metáfora do seu mundo, isso requer que os elementos sejam adaptados para o que ele está acostumado a interagir todos os dias: tinta, massa, canetas, peculiaridades dos materiais, texturas etc. No entanto, o modelo da interface já existia, estava sendo usado, e, acima de tudo, funcionava para ajudar o usuário a operar o computador como mais uma ferramenta. O máximo de adaptação que houve foi uma simples maquiagem, possibilitada pelo avanço da tecnologia e surgimento de computadores que suportassem recursos gráficos mais sofisticados.

E porquê, por exemplo, os artistas não adaptaram o sistema que lhes foi apresentado, para o seu próprio perfil? O sistema serviu de ponto de partida. Todos que não haviam tido contato com um computador antes, tiveram sua primeira relação seguindo as regras que já existiam, e se adaptaram a elas como se fosse a única. Qualquer desconforto era ignorado, e o novo usuário se acostumou com as irregularidades do sistema imposto, adaptando-se a ele, justamente para ter por onde começar.

Apesar de parecer errado, foi necessário um ponto de partida comum para que algo fosse desenvolvido em cima, pela nova massa de usuários de computador. Esse ponto de partida foi o fator que tornou a estrutura e o funcionamento do computador tangível para quem nunca havia tido contato com algo tão abstrato.

Evoluindo do essencial ao superficial

Assim que o modo de funcionamento de computadores foi massificado, mais pessoas puderam explorá-lo para criar novas funcionalidades.

Porém, tudo tem seu ritmo. Nelson descreve no seu texto que seu projeto original de hipertexto, Xanadu foi ignorado na época (1965) por ter sido muito fora dos padrões de interface e representação de informação da época. No momento em que ele simplificou e adaptou o projeto para o que as pessoas estavam mais acostumadas, elas se identificaram e levaram a idéia adiante, para criar o passo seguinte que seria a Web.

Se falássemos para pessoas hoje em dia, de um ambiente composto por páginas que contém links para outras páginas, e a leitura é feita de modo não-linear, elas não iriam se impressionar muito. Apesar de ser um conceito inovador na era do livro, na era da Web isso já virou padrão, e todos já incorporaram a idéia. Sinal de que precisamos partir para o próximo passo da evolução das interfaces representativas.

Essa evolução é constante. Um exemplo recente é a chamada Web 2.0, onde os sites são produto de interação entre os próprios usuários e o conteúdo é maleável e gerado por quem o acessa. Esse modelo também já está se tornando padrão quando se fala de conteúdo de internet, mas para que ele funcionasse, precisava que as pessoas se acostumassem com a simples e dura Web 1.0. Tendo sido construída sobre o mesmo fundamento do hipertexto, a Web 2.0 é uma evolução que ocorreu naturalmente, conforme os usuários se viam acostumados ao modelo e demandavam novas funcionalidades para o que eles queriam.

Usuários viram que podiam buscar informação com a internet. Feito isso, precisavam de um canal paralelo, para permitir a troca de informação. É essa regra de demanda que faz com que todos sejam designers do mundo com o qual interagem.

Outro exemplo de como essa evolução natural ocorre rapidamente sob demanda foi a invenção dos menus drop-down. Bill Atkinson descreve em Designing Interactions, como toda a idéia de ocultar ítens e exibí-los com o passar do mouse foi concebida em uma única noite. A necessidade o levou a desenvolver o sistema rapidamente, sem precisar se aproveitar de modelos concretos e metaforizá-los. E se não houvesse plataforma sobre a qual ele sentiria essa necessidade, não haveria desenvolvido o sistema drop-down.

Vemos então porque o projeto de Nelson parecia um passo maior que as pernas. Para ele, Xanadu era o seu modelo ideal. Mas isso porque ele já era bem familiarizado com que já existia antes, diferente da maioria, que achou sua idéia .delirante.. Do mesmo jeito que se alguem apresentasse o conceito do Second Life para as pessoas, antes mesmo de existir um modelo sólido de interação entre usuários em um ambiente online, poucos iriam conseguir se adaptar, ou sequer entender. Xanadu era o superficial tentando chegar antes do essencial.

Navegação por informação não se restringe a páginas bidimensionais no Second Life.

Voltando ao exemplo do artista que se adaptou à nova ferramenta, simplesmente para começar a usá-la, o computador hoje já virou parte do dia-a-dia de profissionais de criação. E apesar de o usarmos sob o mesmo modelo metafórico de um escritório frio e distante, o costume e a familiaridade com tal sistema permite que possamos modificá-lo para nosso bem.

Ellen Lupton exibe em Novos Fundamentos do Design, uma galeria de trabalhos criados usando apenas código. As peças não foram criadas usando um aplicativo com ferramentas pré-definidas, e sim a partir de regras definidas por algoritmos escritos pelos alunos do Media Lab, no MIT. Aproveitamos o que temos no nível essencial e usamos o sistema para que ele nos sirva de modo mais pessoal. E quanto mais pessoal é o nível de interação, mais prazer conseguimos tirar da atividade.

Imagem criada por John Maeda, usando a linguagem de programação Processing.

Um exemplo disso são os aplicativos de modelagem 3D. Inicialmente usados para auxiliar arquitetos, engenheiros e designers de produto, os processos operacionais dos programas seguiam a necessidade de seus usuários: precisão. Modelos eram construídos por manipulação de pontos e vértices para criar volume. Tendo visto o potencial desses aplicativos, outros ramos da criação resolveram se adaptar para o sistema existente e criar seus próprios trabalhos em cima. Eram profissionais do ramo tradicional se adaptando ao processo de trabalho digital.

Mas a ferramenta ainda não era ideal. Modelagem poligonal não propociona a mesma liberdade, o mesmo ritmo que a modelagem livre carrega. Aos poucos, os programas de CAD eram adaptados ao fluxo de trabalho de escultores, para aproximar ao que eles já eram acostumados: moldar blocos através de ações manuais em contato direto com o material.  Podemos ver uma clara adaptação da ferramenta ao usuário se observarmos a linha de produtos que foram sendo lançados. AutoCAD (1982), 3DS Max (1990), ZBrush (2002).

E qual seria o próximo passo, enquanto o computador não se iguala à experiência real, mas com as suas próprias vantagens?

Voltando ao hardware

Conforme as interfaces se tornam mais pessoais, intuitivas e consequentemente invisíveis, começamos a questionar se o hardware que utilizamos é o ideal para realizar a tarefa. Porque usamos um dispositivo parecido com um sabonete para realizar a tarefa de uma caneta? Porque esculpimos algo 3D, mas vemos o resultado em uma superfície plana? Não parece ser o ideal. Assim partimos a nos preocupar em utilizar o hardware que mais traga a sensação de que não há nada entre nós e nosso trabalho.

Caneta háptica Touch X

Alguns exemplos são claros, como a tablet, com sensores de pressão, inclinação e direção da caneta, para imitar o resultado de um lápis, mas com a vantagem de servir como qualquer outra ferramenta que seguramos entre os dedos. Ou até mesmo o braço escultor Touch X, que sensibiliza o ato de realmente esculpir em um espaço tridimensional, retornando forças de pressão baseado no movimento contra a argila virtual.

Dispositivos de saída também afetam a otimização da experiência do trabalho. Capacetes de realidade virtual, óculos 3D e hologramas são um passo à frente para quem trabalha com modelagem 3D ou projeto de ambientes.

Filmes de ficção científica são um campo de experimentação do que a mente requer para adaptar sistemas à necessidade do homem. No filme Homem de Ferro, o personagem Tony Stark domina plenamente as ferramentas com que trabalha, possibilitando que ele mesmo crie as que ele precisa para montar sua armadura da forma mais eficiente possível. A interface com que ele projeta suas idéias é otimizada por ele mesmo, de acordo com suas próprias necessidades, de modo que só ele possa aproveitar, tornando o seu trabalho prazeroso e eficaz, e retornando resultados na velocidade do pensar.

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